Por Osvaldo Cardosa
Correspondente-chefe no Brasil
Emitida pelo juiz Cristiano Zanin, presidente da primeira câmara do STF, a decisão definiu o cronograma de um dos julgamentos mais aguardados do gigante sul-americano.
Também abriu uma etapa fundamental para as investigações sobre os ataques antidemocráticos ocorridos durante e após o mandato de Bolsonaro (2019-2022).
De acordo com o tribunal superior, o julgamento durará cinco dias, com sessões agendadas para os dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro, das 9h às 12h, horário local.
O caso será julgado pelos cinco magistrados que compõem a primeira turma do STF, entre eles o juiz Alexandre de Moraes, que atua como relator do processo e solicitou a inclusão do julgamento no calendário oficial.
De Moraes é uma figura essencial no escrutínio judicial dos episódios de golpe perpetrados em 8 de janeiro de 2023, sete dias após a posse do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.
Naquela data, marcada em preto na história nacional, apoiadores radicais de Bolsonaro invadiram e saquearam o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio Presidencial em Brasília.
Junto com o ex-presidente, os réus incluem oficiais militares, ex-oficiais e aliados políticos próximos, todos identificados pela Procuradoria Geral da República como parte do chamado núcleo um ou parte crucial do plano de golpe.
Esse grupo teria desempenhado um papel central no planejamento e execução de ações destinadas a reverter os resultados das eleições presidenciais de 2022, que consagraram Lula como vencedor.
Os oito réus são acusados dos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado, organização criminosa, dano qualificado ao patrimônio da União e dano ao patrimônio protegido.
O relatório final da Polícia Federal (PF) também revela, entre outras coisas, que as provas colhidas demonstram inequivocamente que Bolsonaro “planejou, agiu e teve controle direto e efetivo dos atos praticados pela organização criminosa”.
O documento especifica que a trama não ocorreu apenas por fatos “alheios à vontade” do ex-capitão do Exército.
Certifica que a tentativa só não foi adiante devido à recusa dos comandantes do Exército e da Aeronáutica à época, e que a maioria do alto comando militar não aderiu ao golpe.
Além desses oito acusados, a violenta conspiração identificada pela Procuradoria Geral da República, com base na investigação da PF, envolve outros 24 acusados, organizados em três grupos distintos, de acordo com suas funções.
Consentida pelo STF em 23 de março, a acusação do Ministério Público Federal se baseia em uma lei assinada por Bolsonaro em 2021, que revogou a Lei de Segurança Nacional herdada da ditadura militar (1964-1985).
Da mesma forma, a PF identificou elementos que indicam a existência de um projeto coordenado para um golpe.
As investigações mostram que Bolsonaro sabia do plano denominado Punhal Verde e Amarelo, que previa o uso de explosivos e veneno para assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e De Moraes, bem como do plano da Copa do Mundo de 2022, que contemplava a captura do magistrado.
Em seu extenso documento, a agência de aplicação da lei menciona uma reunião entre o ex-paraquedista e o poder executivo em julho de 2022, na qual ele supostamente pediu às autoridades que agissem antes das eleições para espalhar notícias falsas sobre as pesquisas.
A reunião ocorreu 13 dias após a reunião com os embaixadores, realizada com o mesmo objetivo.
Outro elemento central da investigação foi a elaboração do decreto conhecido como “ata do golpe”, que pedia uma ruptura institucional para impedir a posse de Lula.
O dossiê, segundo os investigadores, determinou a declaração de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para questionar a legalidade do processo eleitoral.
O caso vociferante passou por todas as fases necessárias: coleta de provas, exame de testemunhas, apresentação de defesas.
Em julho, a Procuradoria Geral da República apresentou suas alegações finais pedindo a condenação de Bolsonaro.
A defesa, por sua vez, insiste que se trata de uma perseguição política orquestrada por setores do judiciário e da mídia simpáticos ao executivo.
Mas, além da história, os fatos documentados apontam para uma tentativa organizada de deslegitimar as eleições.
A confirmação da data do julgamento representa um marco na luta pela responsabilização institucional no Brasil, em um momento em que a sociedade e o Judiciário buscam estabelecer limites claros diante de possíveis ataques à ordem democrática.
Além de seu resultado, o processo promete ser um ponto de inflexão na história recente do país.
Os analistas acreditam que não é apenas o destino de um político que está em jogo, mas também o fim de um ciclo de profunda polarização no país, marcado pelo constante confronto com o judiciário, a imprensa e as normas institucionais.
Para alguns, o ex-presidente encarnou uma nova forma de fazer política: direta, anti-establishment, emocional. Para outros, ele representou um retrocesso autoritário que colocou em risco décadas de construção democrática.
Se a condenação for confirmada, Bolsonaro poderá não apenas ser preso, mas também desqualificado politicamente, afetando diretamente os planos do Partido Liberal e da direita na corrida para as eleições presidenciais do próximo ano.
Figuras como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ou a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro já despontam como herdeiros de seu capital político, mas sem o carisma e a badalação que o caracterizaram.
Embora improvável, uma absolvição mudaria radicalmente o cenário: o ex-presidente faria um forte retorno, agora reforçado por uma narrativa de perseguição derrotada, que galvanizaria sua base e tornaria a campanha eleitoral de 2026 ainda mais tensa.
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